24.11.09

Sobre a Morte


O Último Suspiro

Morremos porque nascemos.
O que acontece nesta última etapa?
O final aproxima-se e começo a notar que as coisas mudam. Custa-me cada vez mais manter-me acordada e tenho muita pouca força. Sou incapaz de mexer um dedo, sequer; estou fraca, muito fraca. Têm de me deitar. Eu que toda a vida fui tão activa, agora dependo dos outros. É deprimente. O pior é que tenho de me esforçar de forma indizível para estar atenta ao que me dizem. Tenho sono muito sono. Estou tão cansada…
Abri os olhos. Parece que estive vários dias em coma. É curioso, ouvia um familiar a ler-me o jornal. Não sei o que dizia, mas ouvia-o. Tinha lido que os moribundos (sim, mesmo que me custe, é esse o meu estado, a pessoa acaba por ter de o assumir) são capazes de ouvir quando entram em coma.
Não respiro bem. Há momentos em que faço muito depressa e outros em que deixo de o fazer, e isso assusta-me. Dizem-me que estive um minuto sem respirar. Esta fraqueza está a matar-me.
O médico receitou-me oxigénio; faz-me sentir um pouco melhor, mas sei que não vai prolongar a minha vida.
Às vezes, parece-me que não estou deitada na minha cama; é como se estivesse noutro lado, indefinido. De certeza que é por causa desses malditos calmantes. O intestino acostumou-se a não ter trabalho e custa-lhe lembrar-se para que serve.
O susto que apanharam quando viram que a urina estava castanho escura! A enfermeira tranquilizou-os: os rins trabalham pouco, não filtram apropriadamente e por isso fica muito concentrada. Fiz de conta que não os ouvia, mas percebi claramente que ao aproximar-se o momento da morte os rins deixam de produzir urina. Sinto-me cansada. Vou dormir um bocadinho. Acordo e olho com esforço para o relógio que está pendurado no outro lado do quarto. Obrigo-me a isso, a estar pelo menos durante uns minutos em contacto com o limitado mundo que me rodeia. Raios! É pior que ser bebé.
As minhas pernas estão pálidas e avermelhadas. É difícil respirar. Sinto a respiração húmida. Parece-me que tenho os pulmões inflamados. Algo se passou enquanto dormia, pois já não controlo a bexiga e os intestinos. Parece-me que o cérebro começa a falhar como um carro velho, que não sabe manter a temperatura e aquece e arrefece quando lhe dá na gana. Agora tenho calor.
Estou a morrer, mas não me importa. Só quero descansar e que tudo isto acabe.

Esta descrição é o que pode acontecer-nos no momento em que tudo termina. O processo é tão variável como nascer, mas os doentes terminais experimentam sintomas semelhantes aos descritos, independentemente do tipo de doença de que sofram.
As mudanças emocionais que sofremos nos nossos últimos momentos, são os preliminares do que está para chegar, do mesmo modo que o corpo se prepara fisicamente para a morte, também a nossa mente o faz.
O que acontece a seguir?
O corpo começa a arrefecer, empalidece e os músculos relaxam-se. O sangue desloca-se até encharcar as zonas em contacto com o solo e começa a coagular. Passadas três horas, os músculos começam a rigidificar, depois do falecimento e desaparece após três dias, dependendo da temperatura ambiente.
Passadas as 24 horas, o corpo começa a mostrar sinais de putrefacção devido ao ataque de bactérias, fungos, insectos e parasitas. Passados poucos dias já só existem os ossos.
Não é caso para ficarmos preocupados, milhões de células do nosso corpo morrem a cada minuto, mas muitas delas “suicidam-se”, usando o que é uma forma programada de morte celular. Uma falha no funcionamento normal deste mecanismo, desempenha um papel muito importante no cancro e nas desordens neurodegenerativas. Com isto, as células não se dividem eternamente. No ser humano é de cerca de 50 divisões celulares.
Apesar de a morte ser uma consequência inevitável da vida, não queremos desaparecer e incomoda-nos que o mundo continue a existir sem nós, daí a famosa teoria dos cinco estados prévios à morte (negação, ira, zanga, depressão e aceitação). O momento da morte não é nem terrível nem doloroso, mas sim uma paragem tranquila do funcionamento do corpo.

Observar a morte lembra-me a visão de uma estrela fugaz, num imenso céu, uma delas brilha mais do que qualquer outra durante uns breves momentos, para depois desaparecer para sempre na noite infinita.

Não será demais recordar as palavras de Garcia Lorca: “Tal como não me preocupei ao nascer, também não me preocupo ao morrer”.
Lumenamena

Sem comentários:

Enviar um comentário